Em um dia normal, com tempo (dito) bom, existe um campo elétrico na atmosfera que vale cerca de 100 volts por metro e aponta para baixo. Isso significa que há uma voltagem de quase 200 V entre sua cabeça e seus pés. Por que você não sente essa voltagem?
Nosso corpo é um condutor elétrico relativamente bom, se comparado com o ar. Por essa razão, o potencial de seu corpo fica igual ao potencial do solo. As linhas equipotenciais (isto é, de mesma voltagem) se distorcem em torno do corpo.
Esse campo elétrico, que é de 100 V/m perto da superfície da Terra, vai diminuindo com a altitude e é praticamente nulo a uns 50 quilômetros de altura. No total, entre as camadas altas da atmosfera e o solo existe uma diferença de potencial de uns 200.000 Volts.
Para explicar esse campo o célebre físico inglês Lord Kelvin concebeu uma hipótese de que a superfície da Terra e a “ionosfera”, camada que fica a 50 Km de altura, formam um capacitor esférico, com essa diferença de potencial de 200.000 Volts entre as “placas”. Acontece que o espaço entre as placas, o dielétrico, que nada mais é do que a atmosfera onde vivemos, não é totalmente isolante. Verificou-se, experimentalmente, que existe uma fraca corrente elétrica de “fuga” entre as placas desse capacitor hipotético.
De onde vem essa condutividade elétrica da atmosfera? Vem da presença de “íons”, partículas carregadas positiva ou negativamente. O ar atmosférico, com você sabe, compõe-se, principalmente, de moléculas de nitrogênio (~80%) e de oxigênio (~20%). Verificou-se, no fim do século passado, que algumas dessas moléculas são carregadas (“íons”), isto é, perderam ou ganharam elétrons.
No início do século 20, quando a recém-descoberta radioatividade estava na moda, sugeriu-se que o processo de ionização era causado pela radioatividade da Terra, que realmente existe. Partículas emitidas pela radioatividade do solo estariam se chocando com as moléculas do ar, arrancando ou injetando elétrons e, no processo, tornando-as carregadas. Só que surgiu um problema. Com esse mecanismo, a densidade de íons deveria diminuir com a altitude e, para desconcerto dos físicos da época, medidas com balões mostraram exatamente o contrário: a ionização da atmosfera cresce com a altitude! O mistério permaneceu durante alguns anos até a descoberta dos chamados “raios cósmicos”.
O que são esses raios cósmicos é uma história contada por Dona Fifi em outro local que você pode ler depois. Por enquanto, basta saber que são partículas de grande energia, vindas do espaço exterior, que bombardeiam as altas camadas da atmosfera e geram, no processo, os íons de que falamos. A radioatividade do solo também produz íons, só que em número muito menor. A concentração média de íons na atmosfera é cerca de 1000 por centímetro cúbico. São eles que tornam a atmosfera fracamente condutora de eletricidade.
Agora, junte a diferença de potencial de 200.000 Volts entre as “placas” e essa condutividade devida aos íons e obterá uma corrente elétrica na direção do solo com densidade da ordem de 2×10-12 Ampéres por metro quadrado. Multiplicando essa densidade de corrente pela área do planeta obtemos uma corrente total de uns 1000 Ampères!
Com essa corrente descarregando o capacitor planetário de Lord Kelvin, a diferença de potencial e o campo elétrico entre as placas deveriam se anular em poucas horas. Só que isso não está acontecendo, como mostram as medidas experimentais. Algo deve estar suprindo continuamente a diferença de potencial e mantendo o capacitor carregado.
Vamos já dizer o que é. Antes, porém, queremos descrever uma interessante curva, descoberta nos anos 20, e que terá um papel em nossa historinha.